quarta-feira, 12 de abril de 2017

Cinza



A nicotina faz mal as pessoas. Certa vez eu li que no cigarro existe mais de 1000 substancias cancerígenas e que a nicotina faz mal as pessoas. Tudo bem, talvez só três cigarros não façam tão mal assim. O dia está chovendo e eu estou com três cigarros, a pé e voltando para casa. Enquanto ando em meio a chuva me dou o luxo de perceber, sorrateiramente a vida das outras pessoas, pois isto me distrai.
 Moça, me empresta o isqueiro por favor. Ascendi o cigarro e fiquei ali, parado ao lado da moça do isqueiro. Ela estava ao telefone, parecia falar com alguém que não mora aqui (não tenho certeza disso, é apenas uma suposição mesmo). Ela dizia que aqui estava chovendo muito e que por isso ia se atrasar para o trabalho. Acho que a outra pessoa falava pouco, pois a moça do isqueiro mal respirava entre uma frase e outra e já ia emendando mais assuntos. Cansei dela. Resolvi andar mais um pouco no caminho de casa.
O primeiro cigarro já foi, acho que vou tomar um refrigerante antes de ascender o segundo. Paro em uma dessas lojas de fast-food. O senhor vai querer um copo de 300ml ou 500ml? Na dúvida pedi o maior. Qual refrigerante? Pensem em pedir Coca-cola, mas então lembrei que certa vez eu li que Coca-cola fazia mal pro estômago, então pedi Fanta-uva. No rotulo da Fanta-uva diz que tem 5% de suco de uva, deve fazer menos mal. Após o atende me dar o refrigerante, pergunto se ele tem isqueiro, ele me responde que não fumava, pois, cigarro fazia mal à saúde. Acho que ele viu que não fiz uma cara boa e indiretamente se desculpou. Não tenho isqueiro, mas posso lhe dar essa caixa de fósforo. Agradeci e sai da loja moralmente correta que vende Coca-Cola.
Estava difícil beber a Fanta, fumar o cigarro e além disso segurar o guarda-chuva.  Resolvi guarda o guarda-chuva na bolsa e ir me molhando mesmo. Eu até não tenho problema em tomar banho de chuva, mas eu preciso que a chuva me convide para banhar com ela, hoje ela parecia querer banhar sozinha. Como era uma chuva de garoa, meu cigarro resistiu firme mente, só a Fanta que ficou um pouco mais aguada, até aí tudo bem. Enquanto espero o sinal abrir, para poder atravessar a rua, um motoqueiro passa tão perto da calçada que quase sou atropelado. Até acho que ele nem percebeu, estava muito ocupado com sua individualidade. Eu percebi, já que quem ia sendo atropelado era eu, mas como também estou acostumado com as individualidades apenas respirei fundo e continuei.
Na minha avistei uma mulher andando com um guarda-chuva amarelo, ela também está fumando um cigarro. Não sei se foi coisa da minha cabeça, mas quando o meu olhar e o dela, em uma fração de segundo, se encontrou, tive a sensação de perceber que estávamos fumando pelo mesmo motivo. Dela eu não pude ouvir nada, apenas observei sua figura desaparecer na dobra de uma esquina e outras.
Pronto, estou em casa e lá fora continua a chover. Mexo nos bolsos e encontro meu último e terceiro cigarro, vou para a janela e ascendo ele com um isqueiro velho que tenho. Olho que o sol parece já te se posto, não tive tempo de perceber. Acho que nesse ponto me identifico com a Joe: “Talvez a única diferença entre mim e outras pessoas é que eu sempre exigi mais do pôr do sol, mais cores espetaculares quando o sol atinge o horizonte. Talvez este seja o meu único pecado”.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Dueto



Estou eu parado no aeroporto, esperando ele chegar. Eu olho para a porta, olho para o relógio e volto a olhar para a porta. Nada dele sair de lá. Eu aqui nervoso e espero que ele esteja também. Já faz um mês e pouco que não nos vemos e toda a vez que a porta do desembarque abre eu fico pensando: será que é ele dessa vez?
Às vezes, eu fico pensando: será que ele vai sair pela porta dançando e cantando que nem nos musicais bregas? Digo que os musicais são bregas, mas eu certamente estou me sentindo em um agora. Talvez não faça sentido para as outras pessoas se eu  contar, mas para mim faz, então, se ele sair pela porta de desembarque igual a um musical brega, tudo bem, eu sou brega também.
 A porta continua abrindo e fechando e eu já ouvi a música ,que ele me mandou, umas dez vezes. Agora, pela porta de desembarque,  saiu uma mulher e um rapaz foi em sua direção. Devia estar esperando por ela e agora suas ansiedades estavam sanadas. Já a minha só aumenta. E mais uma vez a porta abriu. Dessa vez era um casal de dois meninos, eles estavam vindo com as mãos dadas e pelo que pude ouvir falavam da viagem que haviam feito.
Tenho quase certeza que estou em um musical brega. Estamos no começo do filme, onde os personagens estão sendo apresentados, mas de alguma forma todo mundo no cinema, ou no teatro, já sabe que eles vão ficar juntos. Até dão uma risada ao verem minha ansiedade para vê-lo. Neste exato momento ele deve estar pegando as bagagens. Já fazem 10 minutos que ele me ligou dizendo que tinha acabado de pousar e que quando percebeu que não ia mais explodir a aeronave, caso me ligasse, me ligou.
            E mais uma vez a porta abre. Eram mais algumas pessoas, parece que todo mundo sair por essa porta menos ele. Eu já bebi agua, já olhei o relógio e já pensei em fumar um cigarro, só não fumei nenhum, pois eu não tinha, ele não gosta do gosto de cigarro na boca e também por ser proibido fumar em espaços fechados. Vamos lá repetir a musica no fone mais uma vez. Tenho certeza que o público deste musical brega deve esta as gargalhadas.
            A porta abriu mais uma vez e entre alguns chineses e alemães, suponho eu que essa fosse a nacionalidade daquelas pessoas, eu vejo o sorriso dele. Um macacão azul, uma camiseta também azul e um sapato engraçado que ele tem (com um salto para ele ficar mais alto, desculpem se não sei explicar bem, é que nem eu entendo). Daí o coração que já estava muito acelerado,  acelerou mais ou parou de vez (desculpem novamente, eu não sei explicar a sensação, mas quem já teve vai me entender).
            Ele veio e sorriu, apenas sorria para mim um sorriso de olho fechado. Eu sorria com um sorriso de abobalhado. Sem falar nada me beijou. Sem falar nada me abraçou. Sem falar nada me deu a mão. Quando resolveu falar algo, falamos juntos: eu estava com saudades. Sorrimos juntos, um sorriso que para os demais podia ser fora do tom, mas tudo bem ser um dueto fora do tom em nosso musical brega.
Depois de um tempo (que eu não vou saber precisar e também não vou me desculpar novamente, pois já deu para entender que nesse tipo de situação precisão é desnecessário) saímos andando de mãos dadas, não apenas como uma demonstração de afetos, mas porque decidimos, em silencio, que agora em diante seria assim que iríamos enfrentar o mundo. A partir daquele momento sabíamos que algo estava começando (eu gostaria muito de poder descrever para vocês como tudo aconteceu dentro de mim e como essa imagem está na minha cabeça, mas não é muito fácil, então espero que tenham entendido). 


sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Basta atravessar as águas

Ela estava na porta de casa. Era dia de ano novo. Toda de branco, cabelo amarrado em um rabo de cavalo, calcinha vermelha e sutiã rosa, além de duas pulseiras douras. Ela dizia que não era supersticiosa, mas era. Lembrou-se que tinha que voltar e pegar a identidade. Nunca é bom sair de casa sem documento, pensou. Este pensamento nem era muito dela. Sua mãe que sempre falava isso para ela.
            Na porta de casa, antes de sair e depois de pegar o documento, resolveu que ia ligar para sua mãe. Melhor que ligar no meio da festa e não ouvir nada. Sentada olhando para a porta pegou o celular e ligou. Sua mãe rapidamente atendeu, mas ela não sabia muito bem que falar. Será que só um feliz ano novo já seria o suficiente? Feliz ano novo mãe, foi o que ela falou. Do outro lado da linha sua mãe também lhe desejou um feliz ano novo e disse que tivesse juízo, que não bebesse muito e que todos os seus sonhos se realizassem. Ela não sabia muito o que responder. Disse um amem e também falou que não iria beber muito, algo que ela não tinha certeza se iria cumprir. Desligou a ligação e a vontade de chorar veio, mas ela engoliu.
            Novamente foi até a porta, lembrou-se do seu último relacionamento, será que devia ligar para ele? Resolveu que sim, era ano novo, todo mundo fica menos armado. Sentou-se novamente no sofá ,que ficava de frente para a porta, e pegou o telefone. Nesse caso o telefone chamou bastante até ser atendido. Ele atendeu e a voz parecia de alguém um pouco bêbado, ela conhecia muito bem aquela voz. Boa noite, desculpa está ligando assim tão tarde, mas é que como passamos as duas últimas viradas de ano juntos eu não tinha como não lembrar de você: foi o que ela falou. Ele deu uma risada boba ao telefone e desejou para ela um feliz ano novo e que ela fosse muito feliz. Ela desejou feliz ano novo também e desligaram a ligação depois de mais algumas palavras trocadas.
            Novamente foi até a porta e ao chegar lá lembrou-se de mais uma pessoa que devia ligar e mais outra e mais outra e mais outra e mais outra -amigos que se mudaram, amigos que não se mudaram, mas ela havia se mudado, amigos de infância e amigos novos mais que tinham ajudado a aguentar o ano-  ela ligou um por um. Sempre difícil desejar ano para alguém, mas ela se esforçou ao máximo. Depois de tanto ir e voltar ela resolveu que iria ficar sentada no sofá, que ficava de frente para a porta, até ter a certeza de que realmente não tinha mais nada para fazer antes de sair.
            Levantou-se decidia em sair de casa, abriu a porta. 9,8,7,6,5,4,3,2,1.... Da porta viu o céu se rasgar em fogos. Ao ver aquele brilho todo ela começou a chorar compulsivamente. Um choro tão verdadeiro, tão sentido e tão seu. Era um ritual chorar na virada do ano. Voltou até o sofá e deu conta de que o ano tinha realmente virado. Ela tinha tido sua primeira virada do ano sozinha. Dizem que quando você tem sua primeira virada de ano só quer dizer que você amadureceu. Ela não sabia se isso era verdade ou só coisa de sua avó, já falecia, contava só como justificativa sua desvontade em sair na virada de ano.

            Sentada no sofá ,que dava de frente para a porta, lembrou-se que não tinha desejado feliz ano novo para todo mundo. Faltava uma pessoa. Uma pessoa nova em sua vida. Ela ficou até envergonhada em ligar, mas era ano novo, todo mundo adora receber uma ligação. Então sem pensar muito pegou o telefone e ligou. Feliz ano novo, a voz já começou a ligação dizendo isso. Ela ,entre um abrir de sorriso, respondeu: Feliz ano novo.  

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Ouroboros



Eram três e vinte da manhã e ele resolveu escrever esse texto. Ele levantou, tomou uma xícara de chá. Voltou para a cama e começou a digitar. O texto não fluía. A vontade de escrever existia, mas o medo era maio. Medo de que o objeto de sua inspiração se identificasse com o texto e resolvesse reclamar. Então cada linha que ele escrevia duas ele apagava. Isso foi se enrolando por minutos e minutos. E se ele lesse esse texto, será mesmo que ele iria vim falar alguma coisa? Será que iria quebrar o gelo e resolver falar? Ou será que seria pior ainda, que ele iria ler, iria ficar com mais raiva ainda e pararia de vez de falar?

De qualquer modo isso não importa muito. Ele já nem fala mais direito mesmo, então era melhor escrever, ao menos esse texto poderia ficar famoso e, assim, viraria um livro que seria vendido muito e traduzido para vários idiomas. Então estava resolvido, iria escrever o texto, iria publicar um livro, iria vender muito, iria traduzir, ficar rico e famoso e assim ele iria querer falar. Quem não quer sair com alguém famoso? Mas será que iria demorar muito? E se não ficasse famoso, e se ele só ficasse chateado mesmo?

Enfim, então melhor não escrever esse texto sobre eles dois, era melhor escrever outra coisa. Mais que coisa? Levantou e tomou mais um chá. Para tentar pensar em outro tema para escrever resolveu que iria ouvir alguma música, sempre ajudava. Mexendo no computador encontrou algo que queria ouvir: Tiê.

Mas que bosta, não estava ajudando. Então melhor escrever logo esse texto de merda e que se foda se ele entender que aquele texto era sobre eles dois. Pouco importa, eles já não se falavam direito já há alguns dias, se ele não gostar que vás e lascar. Quem mandou sair com artista? Eles sempre usam as referências de suas vidas em suas obras, se saiu devia saber que em algum momento iria virar referência para alguma coisa.

Claro que seria melhor que não fosse esse tipo de texto. Seria melhor que fosse um texto sobre um casal feliz, passando um final de semana na praia e após uma noite de sexo intenso resolviam namorar e tudo seria lindo. Isso sim seria um livro que venderia e seria traduzido para vários idiomas, até filme podia tornar-se.  

Esse texto meio boca que ele iria escrever muito provavelmente seria pouco lido, e com o passar do tempo seria esquecido. Então tudo bem, muito certamente ele não iria lê. Não precisava se preocupar. E se ele lesse, talvez nem achasse que falava deles dois, tendo em vista que a metade da história era realidade e a outra ficção.  Estava decidido, iria escrever.

Eram as três e quarenta da madrugada um autor emocionalmente instável e com uma paixão sem saber se era correspondida estava sentado em sua cama com o computador ligado. Queria escrever um texto sobre aquela relação que estava vivendo, mas tinha medo que o objeto de sua inspiração soubesse que o texto falava sobre eles dois.

Mas que se foda, ele já entendeu que o texto era sobre eles dois. Então tudo bem, melhor assumir. Sim, se você estiver lendo esse texto é sobre nós dois.

Pronto o texto ficou pronto, o computador já podia ser desligado e o autor já podia dormir.