quinta-feira, 24 de junho de 2010

A dama

Mas uma vez lá estávamos, no motel barato do centro da cidade, seu nome, nem lembro, até porque motel barato no centro da cidade é tudo igual, apenas mais um lugar onde se paga menos que uma marmita, para fazer um sexo de fast-food. Já havia prometido para mim mesma que nunca mais aceitaria ir para um motel do centro, principalmente com aquela pessoa, que pretendia nunca mais ver. Não tive como negar, pois ele me ligou a noite inteira e toda vez que eu atendia sua voz estava cada vez mais alterada, devido à quantidade de doses de cachaça tomadas. Sabia que ele não iria parar de ligar até eu atender ao telefone, por isso, resolvi atender logo.
- Alô. Oi, Caio, é você de novo? Já não te falei que não me ligasse mais, principalmente quando está bebendo.
-Desculpa minha linda, mas é porque a nossa música está tocando a mais de uma hora e, por isso, quis te ver. Claro que sou eu que estou colocando ela para repetir. Você quer ouvir? A dama de lilás me machucando o coração. A febre de sentir seu corpo todo coladinho com o meu. Então eu cantaria a noite inteira, como eu já cantei...
-Não adianta apelar... Ô, meu loiro, você sabe que assim eu não resisto... Certo, vem me pegar.
Com menos de dez minutos, lá estávamos no motel, talvez o de costume, ou apenas mais um. Entramos. Nunca entendi o porquê, mas ele sempre queria o quarto meia nove. A luz vermelha, a cama redonda, um frigobar, dois pacotes de preservativo em cima do frigobar, um ar-condicionado que devia estar sem manutenção a pelo menos quatro meses, visto que, estava com o filtro preto e pingando água na parede. Deitamos na cama, como sempre, falamos pouco, pois o fogo do beijo era maior. Beijo na nuca, local preferido dele, beijo nas costas, local preferido meu, mãos, bocas, pernas, braços, para um lado, para o outro, tira roupa e duas horas. Não me sentia nem suja, nem limpa depois que saímos daquele local, apenas me sentia. Ele já estava com um bafo menos fedorento a cachaça e com a roupa toda molha de suor, o que não podia negar que havia tido uma relação sexual. Entramos novamente no carro, ele colocou a nossa música. Ainda me lembro o dia que iludida, fui à loja, passei mais de duas horas escolhendo qual seria o melhor cd, comprei com o dinheiro que havia conseguido ganhar em dois dias de trabalho, e lhe dei no dia dos namorados. Senti-me uma completa retardada, quando ele nem ao menos abriu o presente, sem antes abri meu sutiã e meter as mãos nas minhas pernas. Logo depois de rolarmos na cama, abriu o cd colocou a facha dois, acho que aleatoriamente, olhou nos meus olhos e disse: EI menina, essa vai ser nossa música, toda vez que ela tocar vou lhe ligar. O pior é que o canalha sempre fazia isso, ou, ao menos, usa como justificativa para me ligar. Já estávamos chegando ao ponto onde ele me pegou, paramos, ele pegou a carteira, e foi logo perguntando.
- E ai amor! Quanto é o valor dessa vez?
O pior é que o safado falava com um tom como se não soubesse.
- São os mesmos 80 reais, porém, dessa vez, vou fazer de graça, pois quero que saiba que foi a última.
Fui ate o toca CDs, tirei o cd, esfreguei com toda força no chão do asfalto e depois quebre, pois eu podia até resistir à vontade de telo junto a mim, mas nunca a uma música de Maria Bethânia.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Normalidades

Haviam resolvido internar Pedro, não que achassem que ele havia ficado louco, até porque achavam essa palavra muito forte, ou seja, haviam pensado em colocar Pedro em uma clínica de tratamento psicológico, pois o mesmo precisava de um tempo, fora da sociedade, para poder pensar nos atos que havia realizado nos últimos dois meses. Pedro não teve nem chance de falar que estava bem, até porque não conversava com ninguém umas duas semanas. Seu olhar também havia mudado, era como se comunicasse através dos mesmos, pois as palavras já não tinham a capacidade de dimensionar os pensamentos. Não era comum um homem de 26 anos, formado em dois cursos superiores na melhor faculdade do estado, além de um mestrado e um doutorado em universidades do exterior, estar no estado físico e psicológico que Pedro se encontrava. O medico perguntou se nenhum dos familiares sabia responder quando Pedro havia mudado, ou como aconteceu. Era estranho, mas ninguém sabia dizer, pois foi como se uma noite ele tivesse dormido bem e acordasse louco, ou melhor, com problemas psicológicos, pois a família não gostava da palavra louco, era muito forte e não achavam necessário para o caso de Pedro. O medico ainda tentou manter uma conversa, porém Pedro não respondia a nenhuma pergunta. “Qual seu nome?...” “Sua idade?...” “Sabe dizer em qual ano estamos?...” “Qual o nome do seu cachorro?...”. “Não adianta doutor, já tentamos conversar antes, porém ele vem em um silencio sufocado a mais de duas semanas” essa frase foi falada como que em couro por todos os familiares. O diagnóstico havia sido dado, depressão profunda, características básicas, falta de animo, chegando a não realizar as atividades cotidianas, faltas de apetite, além de um silencio profundo. Solução, internação imediata, pois o quadro podia piorar, e o paciente poderia cometer suicídio. Fichas preenchidas. Pronto, os enfermeiros podiam levar o novo paciente para o quarto vinte e dois, onde iria começar a tomar seus medicamentos, que inicialmente seriam ministrados através de injeções intravenosas, depois, caso o quadro do paciente melhorasse, poderia tomá-los via oral. Quarto vinte e dois, completamente branco, cama, porta e paredes revertidas com espumas, para caso o paciente quisesse se machucar, batendo-se nas paredes. Cama também revertida por espumas, com a mesma justificativa, luz e janelas protegidas com grades, tudo com a maior segurança e conforto, para a recuperação do paciente. Todos os dias o paciente tinha direito a sair para o jardim do hospital, ou melhor, da clínica de rehabilitação social, porém sempre bem dopado e com um enfermeiro acompanhando. Toda semana os familiares podiam visitá-lo, duas vezes, o que aconteceu nos primeiros quinze dias, logo depois começaram a ir uma vez por mês, logo depois, só nas datas comemorativas, e atualmente fazia dois meses que ninguém o visitava. O homem do quarto vinte e dois havia acordado meio que indisposto naquele dia, não quis sair para o jardim, também não comeu todo o almoço, porém algo de mais incomum havia acontecido. O homem havia desenhado em uma folha em branco algo que ninguém conseguia ler, talvez por ser em outra língua, que os enfermeiros não conheciam ou quem sabe por não haver nenhum sentido lógico naquela junção de letras. Após muita insistência dos psiquiatras do hospital, o homem do quarto vinte e dois resolveu falar, coisa que não fazia desde que havia chegado ao hospital. “Homem em sociedade pode ter um parâmetro para se considerar normal, o preso não, pois para ele normalidade é ser o que se é”, teve de repetir duas vezes, pois como fazia um tempo que não falava as cordas vocais parecia não saberem mais vibrar. Após ouvirem os médicos não conseguiram ver sentido em seu discurso, por esse motivo mandaram aumentar a dosagem dos medicamentos, ante-alucinógenos, pois o ser do quarto vinte e dois não sabia mesmo o que estava sendo real ou imaginação.