terça-feira, 15 de novembro de 2016

Ouroboros



Eram três e vinte da manhã e ele resolveu escrever esse texto. Ele levantou, tomou uma xícara de chá. Voltou para a cama e começou a digitar. O texto não fluía. A vontade de escrever existia, mas o medo era maio. Medo de que o objeto de sua inspiração se identificasse com o texto e resolvesse reclamar. Então cada linha que ele escrevia duas ele apagava. Isso foi se enrolando por minutos e minutos. E se ele lesse esse texto, será mesmo que ele iria vim falar alguma coisa? Será que iria quebrar o gelo e resolver falar? Ou será que seria pior ainda, que ele iria ler, iria ficar com mais raiva ainda e pararia de vez de falar?

De qualquer modo isso não importa muito. Ele já nem fala mais direito mesmo, então era melhor escrever, ao menos esse texto poderia ficar famoso e, assim, viraria um livro que seria vendido muito e traduzido para vários idiomas. Então estava resolvido, iria escrever o texto, iria publicar um livro, iria vender muito, iria traduzir, ficar rico e famoso e assim ele iria querer falar. Quem não quer sair com alguém famoso? Mas será que iria demorar muito? E se não ficasse famoso, e se ele só ficasse chateado mesmo?

Enfim, então melhor não escrever esse texto sobre eles dois, era melhor escrever outra coisa. Mais que coisa? Levantou e tomou mais um chá. Para tentar pensar em outro tema para escrever resolveu que iria ouvir alguma música, sempre ajudava. Mexendo no computador encontrou algo que queria ouvir: Tiê.

Mas que bosta, não estava ajudando. Então melhor escrever logo esse texto de merda e que se foda se ele entender que aquele texto era sobre eles dois. Pouco importa, eles já não se falavam direito já há alguns dias, se ele não gostar que vás e lascar. Quem mandou sair com artista? Eles sempre usam as referências de suas vidas em suas obras, se saiu devia saber que em algum momento iria virar referência para alguma coisa.

Claro que seria melhor que não fosse esse tipo de texto. Seria melhor que fosse um texto sobre um casal feliz, passando um final de semana na praia e após uma noite de sexo intenso resolviam namorar e tudo seria lindo. Isso sim seria um livro que venderia e seria traduzido para vários idiomas, até filme podia tornar-se.  

Esse texto meio boca que ele iria escrever muito provavelmente seria pouco lido, e com o passar do tempo seria esquecido. Então tudo bem, muito certamente ele não iria lê. Não precisava se preocupar. E se ele lesse, talvez nem achasse que falava deles dois, tendo em vista que a metade da história era realidade e a outra ficção.  Estava decidido, iria escrever.

Eram as três e quarenta da madrugada um autor emocionalmente instável e com uma paixão sem saber se era correspondida estava sentado em sua cama com o computador ligado. Queria escrever um texto sobre aquela relação que estava vivendo, mas tinha medo que o objeto de sua inspiração soubesse que o texto falava sobre eles dois.

Mas que se foda, ele já entendeu que o texto era sobre eles dois. Então tudo bem, melhor assumir. Sim, se você estiver lendo esse texto é sobre nós dois.

Pronto o texto ficou pronto, o computador já podia ser desligado e o autor já podia dormir.  

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Video Games

Ele fechou a porta na minha cara. Não, não foi bem assim, preciso começar novamente esse texto. Ele abriu a porta, olhou para mim, e pediu que eu fosse embora e aí sim fechou a porta na minha cara. Eu, o que fiz? Toquei a campainha. Ele não abria a porta, me olhava pelo olho magico (eu imagino) e falava para eu ir embora. Pedia-me que entendesse e dizia que precisava ficar só.
            Por algum momento, um rápido momento, eu achei que ele ia abrir a porta e me explicar tudo. Ao invés disso ele apenas começou a chorar e disse que iria me ligar, caso soubesse o que falar. Eu então, cansei de ser palhaço de circo falido e resolvi sair. Peguei o primeiro taxi que vi. Nem olhei se tinha dinheiro, mas peguei.
            O taxista me pergunto para onde iriamos. Apenas respondi: para o mais longe possível daqui. Acho que ele entendeu. Sai de lá. Pronto, já estávamos distantes o suficiente. A janela do carro era um refúgio. Olhando para a paisagem, minha mente não tinha tempo de pensar, ela só tentava entender as imagens que rapidamente corriam. Assim eu podia descansar. Comecei a chorar. Secava aquelas lagrimas com tanta força e raiva. Secava, pois eu não queria chorar.
          Senhor, pode parar aqui, nesse ponto do metrô já está ótimo, obrigado e pode ficar com o troco. Desci, coloquei o fone e continuei a andar, não queria pegar o metrô, queria apenas andar. A cidade, as pessoas, a música e a porra dos meus pensamentos. Eu estou cansado, devo parar e tomar uma cerveja, uma garrafa de vinho ou uma dose de gim. Moço me der os três, um de cada vez a ordem você pode escolher, foi o que pedi no primeiro bar que vi a minha frente.
              A cerveja estava quente, o vinho doce demais e o gim era muito vagabundo. Quem é aquele ali? Está olhando para mim? Acho que sim.

                - OI
                -OI
                - Você é bem lindo
                - Obrigado
                - Posso sentar aqui?
                - Sim, estou só mesmo.

                Ele sentou à mesa, se apresentou, falou do meu sotaque. Falamos amenidades. Coisas de sempre. Nome, signo, idade, o que faz da vida, (risadas), (silencio), mora onde?, e esse sotaque? Nos beijamos.
                Sai daqui, sai da minha cabeça, você mandou eu ir embora, não atrapalha o beijo. Não eu não vou mais pensar em você. Sim o beijo está sendo ótimo, só estou pensando em você, pois estou com raiva, mas dá para você sair dos meus pensamentos? Obrigado. Caralho, você não vai sair ne. Ok, vou dispensar o cara, não era esse o combinado?

                -Desculpa, preciso ir.
                -Mas já?
                - Sim, estou cansado e já é tarde.
                - Me diz teu número então!

              Trocamos os números. Acho que ele nem vai me ligar, mas tudo bem. Subi a rua, estava perto de casa. Uma garrafa de vinho (um pouco melhor). Enfim em casa. Sai gato, não estou com paciência para carinho em gato. Deitei na cama. Abri a garrafa. Começo a beber. Ele realmente fechou a porta na minha cara hoje? Serio? Que droga, estou ficando bêbado, não consigo evitar é algo biológico, desculpa.

                Será que estou com sono, ou estou apenas bêbado? A Lana Del Rey cala essa boca. Não, espera, vou repetir a música mais uma vez. Estou com o celular na mão. Na verdade, passei o dia com o celular na mão, ele disse que iria me ligar. Estou esperando. Ele fechou a porta na minha cara e eu ainda não sei o motivo. O celular na está na mão, a garrafa de vinho está quase seca, a Lana Del Rey está tocando novamente e eu já estou bastante bêbado. Podia ser mais chique? Acho que não, mas que se foda é pra ser clique e vai ser.