A maioria dos presentes ainda
estavam nas caixas, o vestido branco e o penteado no cabelo ainda não tinham
sido tirados. Ela, sozinha, em casa sentou entre as caixas e começou a
desembrulhar. Um liquidificador, conjunto de facas, toalha de mesa e pequenos
objetos de decoração. A casa era linda, assim como tinha sido o casamento. Não
era o primeiro, mas como nunca havia casado no religioso, dessa vez, resolveu
fazer como manda os planos sociais. Não fora na igreja, única coisa que ela
havia resolvido fazer diferente, pois desde criança tinha a vontade de casar na
praia. Como via nos filmes da sessão da tarde. Não tinha sido uma cerimonia
para muitas pessoas, porém os mais próximos do casal estavam lá. Tudo perfeito,
tudo como em seu sonho de menina “fairy tales”. Mas agora com a festa desfeita,
as caixas empilhadas sobre a mesa e outras no chão, seus pensamentos não a
deixava sentir-se feliz. Ao pensar na felicidade, lembrava rapidamente da
infância, pois era nesse período da vida que pouco era motivo para muita
alegria ou tristeza profunda. Quando era criança, os sentimentos variavam muito
rapidamente, porém tudo era novo então até mesmo ficar triste por perder um
brinquedo, era uma possibilidade de descobrir outras formas de se divertir.
Porém sentada na sala arrumando os presentes, o mais perto de diversão que
conseguia ter era ver qual o presente que seus familiares miseráveis haviam
comprado. Não era seu primeiro casamento, em ordem cronológica seria o segundo,
fora umas duas ou três vezes que chegou a morar junto, mas sem oficializar o
casamento. O último havia lhe deixado tantas marcas que mesmo estando começando
uma nova relação, ela ainda não tinha todos os sentimentos recuperados e em
ordem. Já cansada, desistiu de desembrulhar os presentes, pois em vez de ficar
feliz por estar montando a sua nova casa, coisa que normalmente as noivas
parecem ficar em filmes, ela estava ficando cada vez mais em duvida. Ao sair do
meio te todos os presente, percebeu estar de frente ao espelho. Talvez ela conseguisse mentir para se mesma,
mas o espelho não tinha essa obrigação, por isso ele fazia questão de mostrar a
maquiagem borrada pelo choro, que ela fingia não escorrer pelo rosto. Ao ver o
vestido brando todo amassado e o rosto de maquiagem espalhadas, pelas compulsivas
vezes que levou a mão ao rosto para limpas as lagrimas, ela assumiu as lagrimas
e ficou olhando elas escorrerem pelo rosto e mancharem mais a gola. Assumir
para sim um fracasso é talvez mais difícil que assumir para os outros, ou seria
tudo um montante, pois ás vezes não se assume o fracasso com medo do que os
outros podem dizer, foi o que ela ficou pensando. Havia gasto tanto pela a
festa de casamento, dito a tantas pessoas que estava feliz, e que havia
novamente encontrado uma pessoa para dividir tudo, que assumir que não estava
feliz era algo muito difícil. Mas entre o rosto amassado e o vestido sujo ela
sabia que não estava feliz, pois era necessário um por favor para que eles se
beijarem, uma briga para conseguir que tivessem sexo e muito cuidado para
expressar carinhos. É realmente as pessoas mudam, era o que as lagrimas expressavam,
enquanto sujavam o rosto. Sentada em uma
caixa, que provavelmente fosse a da televisão de plasma, e já sem lagrimas para
chorar, mas com um copo de vodca para acompanhar, ela pegou o primeiro papel de
presente, que tinha o verso em branco, e com a caneta preta ,que falhava um
pouco, escreveu. “Saiba que quando eu disse sim eu estava disposta a dar tudo
de mim. Então me diga que você me ama, mesmo que você não diga isso a ninguém,
mesmo que você não me ame, mesmo que seja só para me ver sorrir, ou apenas por
essa noite... obs: até o amanhecer estarei lhe esperando na praia que nos
conhecemos, depois disso, volto para o mundo”. E saiu da casa, sem fechar a
porta, ainda de vestido e com o copo de vodca na mão.
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Um comentário:
Me lembrou o filme Melancolia. Belo texto, quando a gente é criança ou tenta pensar como uma a gente é mais feliz, o motivo é que não conhecemos muito do mundo nem das pessoas, ingênuos.
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