domingo, 16 de outubro de 2016

Dinâmica



O dia parecia normal, ele havia acordado as 5h da manhã, tomado banho, comido um rápido café e saído para o trabalho. A empresa era sua, mas ele sempre fazia questão de chegar antes de todos os funcionários e sair só ao final do expediente. Já não era mais um rapaz novo e sua empresa já era bastante consolidada no cenário nacional com filiais nas cinco regiões do país. 

Já eram vinte as onde da noite quando resolveu que era hora de sair do trabalho. Pegou seu carro que estava na vaga de presidente e saiu para sua cobertura que dava vista para o mar. Um dia comum. Era o que qualquer pessoa iria pensar se tivesse lhe seguido durante o dia inteiro. 

Já em casa, uma dose de bebida, dois tragos de charuto cubano socialista e um banho. Voltou para sala de 80 metros quadrados e sentou-se na cadeira de 50 mil reais que havia comprado na última bienal de designe. Levantou-se e resolveu abrir a janela. Um pouco de ar natural.

Mais duas doses, mais dos tragos e mais experiência de solidão. Talvez olhar o mar fosse uma forma de aliviar tudo. Levantou-se lentamente, enquanto andava passou pela pesa de centro e percebeu que seu celular estava tocando. Olhou para o visor, mas a decisão de ir até a varanda era maior.
De pé, no vigésimo segundo andar, a cidade parecia pequena. As vidas que passavam em baixo de sua cobertura pareciam mais dinâmicas que a vida que se passava dentro da cobertura. Olhava para fora, projetava seu corpo para fora e sentia uma liberdade. Qual seria o motivo de não pular? Pensou. 

Não encontrava nenhum. O sofrimento de sua mãe? Não essa já havia morrido. O de seu pai? Esse nunca havia conhecido. O de seu último casamento? Desse já não tinha mais nem as fotos. Filhos nunca teve. Então por qual motivo não fazer isso? Parado olhando para fora, para dinâmica da vida, percebeu que não tinha nenhum motivo.

Então, como que em impulso patético passou os pés para borda que tinha entre o final da varanda e o abismo. Segurando firmemente as mãos no guarda corpo, olhou mais uma vez lá para baixo. Parecia que o abismo era dinâmico e o chamava. Uma felicidade ele tinha. Morava na cobertura ninguém conseguiria impedi-lo já que ninguém lhe via.

Olhou para baixo, e nada de filmezinho, ou resumo da vida. Apenas a dinâmica em todos os seus sentidos lhe fazia companhia e convite. Pensou pela última vez e decidiu que iria contar até quatro e iria pular. Não queria contar até três seria clichê de mais. Respirou fundo, como quem traga um charuto e começo a contar. Um... Dois...Três... Quatro.

Telefone do inferno. Isso era hora para tocar novamente? Justamente no quatro. Olhou para traz, por cima dos ombros. Nesse rápido movimento entre o quatro, o tocar e olhar lembrou-se. Havia combinado com um investidor internacional que lhe ligasse a noite, pois com o fuso horário lá já seria dia. Lembrou-se dos investimentos que iria receber, da filial que teria fora do país e da cobertura mais alta que poderia comprar.

 Foi assim, que desistiu da ideia absurda de pular e resolveu voltar com seu corpo para dentro da varanda do prédio. Enquanto se preparava para se virar, agora com muito cuidado e medo, uma fisgada lhe veio ao peito. Um dor, como se tivesse uma mão pressionando seus ossos do peito. O ar logo começou a lhe faltar e a vista começou a ficar escura. Tinha que se concentrar. “Vamos lá: um... dois... três... quatro...”

Na madrugada desta quinta feira, as quatro e quarenta e oito da madrugada, um grande empresário foi encontrado morto em seu condomínio de luxo. Devido as evidencias, os policiais afirmam que o empresário morreu após tentativa de suicido da varanda de sua cobertura. Familiares declaram luto de um dia na empresa, mas já alegam que a mesma entrará em leilão ainda esse mês.

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